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O travessão denuncia - o vício estilístico do ChatGPT

  • Foto do escritor: Hebert Durães
    Hebert Durães
  • 6 de ago.
  • 4 min de leitura

A presença de um simples travessão (—) em um texto tem causado burburinho na academia, entre leitores e até nas redes sociais. Para alguns internautas, esse sinal de pontuação se transformou em um possível "dedo-duro" da inteligência artificial, especialmente do ChatGPT.

 

Banco de dados do Wix.com
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A hipótese é que a IA usa esse símbolo com tanta frequência que se tornaria possível identificar um texto gerado automaticamente apenas pela sua presença. Embora tal ideia seja discutível, ela ganhou força e chegou a ser chamada, de forma exagerada, de “marca da besta” (Fenati, 2025).

 

Mas, afinal, para que serve o travessão? O travessão é um sinal de pontuação legítimo e tradicional, usado principalmente para indicar discurso direto, realçar informações explicativas ou destacar interrupções na estrutura da frase. Como explica Luccas Díaz (2025), o travessão tem função semelhante aos parênteses ou à vírgula, mas oferece mais ênfase — e, por isso, é bastante útil em textos de todo gênero (aqui, inserido por humano).

 

O ChatGPT e outras inteligências artificiais usam o travessão com frequência porque foram treinados em grandes bases de dados compostas por textos humanos, muitos dos quais fazem uso recorrente desse sinal. Daniel Wu (2025) ressalta que o uso do travessão pelos sistemas de IA reflete os padrões de linguagem que a própria humanidade já consolidou ao longo do tempo (não é um vício autogerado, mas uma reprodução de modelos textuais).

 

Entretanto, o uso do travessão pela IA tende a ser mais repetitivo do que o padrão humano. Segundo Pedro Valadares (2025), o ChatGPT utiliza o travessão com uma frequência que beira o exagero, sobretudo por tentar organizar frases mais longas e criar efeitos de ênfase estilizados. Isso pode, eventualmente, tornar a leitura mais cansativa e artificial, principalmente quando os travessões aparecem sem necessidade.

 

Apesar dessa tendência, é importante evitar generalizações. Obviamente que a presença do travessão não pode, por si só, ser usada como critério confiável para identificar um texto como sendo de autoria da IA. Muitos escritores humanos usam o sinal com frequência, e o fazem com plena consciência de seu efeito estilístico. Ou seja, reduzir a autoria de um texto a um sinal gráfico pode ser um erro grave de julgamento. Porém, cautela.

 

Além disso, o uso excessivo do travessão por IA ainda não foi comprovado por estudos científicos conclusivos. Segundo Victor Bianchin (2025), mesmo os melhores detectores de conteúdo feito por IA não conseguem garantir com precisão se um texto é artificial ou humano. Essa dificuldade se intensifica com o aperfeiçoamento dos modelos e das ferramentas que tornam os textos automatizados mais “naturais”.

 

O estilo, coesão, vocabulário e coerência geral ainda são elementos que melhor indicam a origem do conteúdo. Como lembra Wu (2025), a escrita humana é marcada por imprevisibilidade e nuances que nem sempre são replicáveis por IA, enquanto o excesso de simetria pode trair os robôs.

 

Nesse contexto, a discussão sobre o uso recorrente do travessão nos textos gerados por inteligência artificial também pode ser analisada à luz do conceito de densidade lexical, conforme explorado no estudo de Silva e Rottava (2023). A densidade lexical mede a proporção de palavras de conteúdo (como substantivos, verbos e adjetivos) em relação ao total de palavras do texto, sendo um indicador da complexidade linguística.

 

O uso excessivo de travessões, que são sinais de pontuação e, portanto, elementos não lexicais, pode influenciar indiretamente essa métrica, já que impacta a estrutura sintática e a segmentação das ideias no texto, muitas vezes substituindo vírgulas ou conectores mais elaborados.

 

Além disso, como demonstrado no estudo, o ChatGPT tende a produzir textos com padrões repetitivos e estrutura controlada, sem variações significativas de densidade lexical entre diferentes línguas e níveis de proficiência. Isso sugere que o uso vicioso do travessão pode estar associado à tentativa da IA de simular formalidade textual sem, necessariamente, ampliar a carga lexical do conteúdo.

 

Em outras palavras, o travessão pode ser um recurso estético usado para criar a aparência de complexidade, mesmo quando a densidade lexical permanece estática, o que reforça a importância de uma análise crítica, tanto da forma quanto do conteúdo, ao avaliar textos potencialmente produzidos por IA.

 

Por fim, é fundamental lembrar que o travessão é um aliado da boa escrita, e não um inimigo. O verdadeiro problema não está no sinal gráfico, mas no uso automático e descontextualizado. Com equilíbrio e intenção, o travessão pode enriquecer qualquer texto — seja ele feito por você ou por uma máquina bem treinada (novamente, humano)!

 

Referências

BIANCHIN, Victor. Como identificar se um texto foi feito pelo ChatGPT (ou outra IA)? Revista Galileu, 19 jul. 2025. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/tecnologia/noticia/2025/07/como-identificar-se-um-texto-foi-feito-pelo-chatgpt-ou-outra-ia.ghtml. Acesso em: 5 ago. 2025.

CNN BRASIL. Saiba como usar corretamente o travessão, alvo de polêmica por IA. CNN Brasil, 8 maio 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/educacao/saiba-como-usar-corretamente-o-travessao-alvo-de-polemica-por-ia/. Acesso em: 5 ago. 2025.

DÍAZ, Luccas. Para que serve o travessão, acento que “entrega” se um texto foi feito por IA. Guia do Estudante, 24 maio 2025. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/para-que‑serve‑o‑travessão‑acento‑que‑entrega‑se‑um‑texto‑foi‑feito‑por‑ia/. Acesso em: 5 ago. 2025.

FENATI. Travessão vira ‘marca da besta’ entre caçadores de IA; entenda. FENATI, 17 jul. 2025. Disponível em: https://fenati.org.br/travessao-vira-marca-da-besta-cacadores-de-ia/. Acesso em: 5 ago. 2025.

SILVA, Antonio Marcio da; ROTTAVA, Lucia. Densidade lexical em textos gerados pelo ChatGPT: implicações da inteligência artificial para a escrita em línguas adicionais. Linguagem e Tecnologia, [S.l.], v. 25, n. 3, p. [não informado], 29 nov. 2023. Dossiê. DOI: 10.1590/1983-3652.2024.47836. Publicado em: 29 nov. 2023.

VALADARES, Pedro. Não, o ChatGPT não criou o travessão. Clube do Português (Substack), [s.l.], 23 jun. 2025. Disponível em: https://clubedoportugues.substack.com/p/nao-o-chatgpt-nao-criou-o-travessao. Acesso em: 5 ago. 2025.

WU, Daniel. Some people think AI writing has a tell — the em dash. Writers disagree. The Washington Post, 9 abr. 2025. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/technology/2025/04/09/ai-em-dash-writing-punctuation-chatgpt/. Acesso em: 5 ago. 2025.

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